Há dias


Se deixares comida para os pássaros, durante algum tempo, no mesmo local, terás o prazer de os ver chegar, ouvindo as suas asas bater e o seu alegre chilrear, e poderás observar como, dia após dia, vão perdendo o medo, ganhando confiança, tornando-se mais sociáveis e, até mesmo, atrevidos.
São assim os pássaros, são assim todos os animais e são, também, assim os humanos.
A confiança conquista-se, o medo perde-se, a alegria contagia-se.
Mas, se, um dia, os agredires quando pousam, confiantes. Se os assustares, eles, perplexos e temerosos, por-se-ão em fuga. 
Poderão voltar, mais algumas vezes, mas sempre desconfiados e a medo. E se os tornares a agredir ou assustar, partirão, para sempre, num voo longo e sem retorno. E, nunca mais voltarão a confiar nos homens outra vez.
Há dias em que nos apetece partir num longo voo, carregados de tristeza, indiferença, desconfiança e, sem esperança, lutando contra o medo. 
Há dias em que nos sentimos perplexos perante o mundo que nos rodeia.
Há dias em que o nosso, fantástico e maravilhoso,  mundo se revela como um lugar perigoso, cheio de armadilhas,  crueldade, hipocrisia, podridão, mentira, ingratidão ou falsidade, onde os humanos se comportam sem o mínimo de humanidade.
Há dias em que o despertar é tão triste, cinzento ou tenebroso, que o extraordinário espetáculo do nascer ou pôr do sol fica obscurecido pelas sombras da nossa tristeza.
Há dias em que a mágoa nos aperta de tal forma o coração que deixamos de ouvir o cantar do rio, o rugir do mar  ou os pássaros a chilrear.
Há dias em que Terra treme, dentro de nós, endurecendo-nos e tornando-nos desconfiados ou desencantados.
Há dias assim, quando as mãos, que pensávamos generosas, confiáveis, amigáveis ou amorosas,  nos agridem e assustam com brutalidade, quando vamos debicar o nosso pequeno quinhão de pássaro.
Há dias em que erguemos as asas e voamos para bem longe, numa viagem sem regresso, deixando tudo para trás.

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