A sua atitude foi de homem

Não sou feminista.
O Feminismo foi um Rótulo, mais do que um conceito, criado por Charles Fourier, socialista utópico e filósofo francês, em 1837. para designar os então recentes movimentos de mulheres pela igualdade, particularmente, pelo direito ao voto ou sufrágio. 
As Sufragistas foram pois as primeiras Mulheres, de uma história ainda relativamente recente, a saírem, corajosamente, da sua zona de conforto, para lutar pela igualdade de género, inspiradas pelo seu sentido de justiça e pelos ideais democráticos do iluminismo, igualdade e liberdade.
Não sou feminista, não por não acreditar ou não lutar pela igualdade de género, em termos de direitos e deveres, mas antes porque não gosto de rótulos, nem da maior parte dos "ismos" deste mundo, pois ou tendem para a desgraça, como os cataclismos, ou para o patológico, como o narcisismo, ou para o fundamentalismo, radicalismo ou seguidismo, eles próprios, também "ismos", já para não falar nos "ismos" políticos, nos quais dificilmente me revejo.
Acredito profundamente na democracia, à luz do conceito atual da mesma, e na igualdade de direitos e deveres, de todos os seres humanos, independentemente do seu género, identidade de género, raça (não é politicamente correto, mas, mais uma vez, não gosto de eufemismos, lá está, não gosto de "ismos") crenças ou escolhas políticas ou religiosas, cor da pele, orientações ou preferências sexuais.  E reforço, aqui, deveres, pois estes parecem ter tendência para ficar sempre esquecidos na gaveta, como se fossem os parentes pobres dos direitos.
Acredito que a liberdade de cada um termina exatamente onde começa a liberdade do outro e que a defesa dos valores humanos, sociais e morais são o único garante de que quer a democracia, quer a liberdade possam subsistir e florescer, pois sem valores estas não passam de palavras bonitas para figurar em tratados ou constituições, mas que, na prática, não têm qualquer sentido ou aplicação.
Não confundo ética com rigidez ou intolerância, solidariedade com show off, princípios e valores morais, sociais ou religiosos, com preconceitos e normas institucionalizadas, baseadas em mitos, tabus, dogmas, crenças ou hábitos enraizados, que desrespeitem a humanidade, os seus direitos e valores básicos e a identidade de cada individuo. enquanto pessoa humana. 
Frequentemente, da mesma forma que denuncio as injustiças, desigualdades ou violência perpetradas sobre as mulheres, ou sobre qualquer ser humano, independentemente do seu género, idade, raça, cor da pele, orientação sexual, religião ou opções políticas, também me insurjo contra os excessos, a "santificação" das mulheres, como se fossem seres superiores e sem qualquer mácula, a tentativa de idiotização e castração social dos homens, como se todos eles fossem seres nefastos, ou o inimigo a "abater".
Não estou do lado das mulheres apenas porque sim. Não as defendo incondicionalmente, independentemente das suas atitudes e posturas. Mas, sim,  quando e sempre que tal é justo, coerente e conforme aos valores que defendo.
Até porque, ao longo da vida, me tenho confrontado, demasiadas vezes, com o facto de muitas mulheres serem as maiores críticas de outras mulheres, prejudicando-as social ou profissional e até ao nível da família.
A sociedade patriarcal e as leis, práticas, hábitos e preconceitos machistas dominaram o mundo durante séculos ou mesmo milénios. A partir do século XIX, esse paradigma começou lentamente a mudar e inverter-se, em virtude da tomada de consciência e luta das mulheres pela igualdade e liberdade, mas, acima de tudo, porque estes novos valores, inspirados nas ideias iluministas, foram contemporâneos das enormes transformações sociais, políticas e económicas originadas pela Revolução Industrial.
Se as mudanças políticas e económicas podem ser relativamente rápidas, as mudanças sociais configuram processos bem mais lentos, pois sobre elas pesam diversos elementos subjetivos, tais como os hábitos, as crenças, a fé, os preconceitos, os dogmas ou os tabus.
Não podemos analisar os comportamentos das pessoas no século XIX à luz da sociedade em que vivemos hoje em dia. Necessitamos compreender a sociedade da época, para que os possamos contextualizar de forma realista e pragmática.
A segunda e terceira Revolução Industrial, ou pós-Industrial, aconteceram num período de tempo muito curto, se analisado comparativamente à existência do homem e das sociedades, e provocaram enormes alterações no mundo, particularmente no Ocidente.
A luta contra o machismo e a sociedade patriarcal progrediu quase à mesma velocidade da evolução científica e tecnológica, mas as raízes profundas  dos elementos subjetivos não lhes permitiram afirmar-se com a mesma facilidade que qualquer descoberta científica, ou equipamento tecnológico.
Segundo alguns, a história do feminismo divide-se em três grandes "ondas", a primeira no século XIX, a segunda nos anos sessenta do século XX e a terceira nos anos noventa do século XX até à atualidade. 
A segunda "onda" é, igualmente contemporânea dos primeiros movimentos ambientalistas, do "make love, not war" ou do "sex,  drugs and rock & rol"
A "libertação" sexual da mulher, a queima dos soutiens e o efetivo acesso da mulher à educação universitária e ao trabalho qualificado iniciaram-se nessa década aurea dos anos sessenta, a qual comportou excessos de toda ordem. 
Esta segunda "onda" mantém-se até aos nossos dias e coexiste com a terceira.
A terceira "onda" é como que uma espécie de movimento dissidente da segunda onda e reveste-se de outros contornos Para além do combate aos últimos resquícios do machismo, alarga a sua luta a mulheres de outras raças, nomeadamente de raça negra, pois, até então, estes movimentos eram principalmente encabeçados e direcionados para as mulheres brancas.  
Na década de noventa começa a existir um certo tipo de "superioridade" feminina no que se refere às suas qualificações, competências ou profissões, pois elas, mais do que eles, investem na formação e na educação de nível superior. A sua independência económica, no Ocidente, está definitivamente garantida e a sua autodeterminação é agora uma realidade,
É também nesta época que muitos valores sociais começam a sofrer profundas alterações ao nível das famílias e da família nuclear que, por muitos, já não é aceite como a base mais importante das sociedades. É também a partir desta década que se inicia a grande abertura das sociedades a outras orientações sexuais que não a heterossexualidade.
Mas, voltando ao feminismo, este, como qualquer outro "ismo", acolhe um leque variado de pessoas, com as mais diversas mentalidades, conhecimentos, níveis culturais, objetivos e motivações, o que leva a que, muitas vezes, se afaste do seu pressuposto inicial, ou seja da igualdade e liberdade para todos os seres humanos, transformando-se no "local" onde se descarregam todo o tipo de frustrações, complexos ou ódios.
Atualmente, grande parte das vezes, o feminismo ganha contornos de radicalismo, obsessão, fanatismo e busca incessante por descortinar machismo em toda e qualquer atitude ou comportamento dos homens. 
Não sou, portanto, feminista. A minha incessante busca e luta prende-se com a liberdade, igualdade e justiça para todos os seres humanos e não apenas para as mulheres de uma forma particular.  
Acredito ou quero acreditar que unidos e respeitando as nossas diferenças, mulheres e homens, poderemos construir um mundo melhor e mais justo.
Contudo, não posso negar que, diariamente, nos podemos confrontar, ainda, com as mais diversas situações, atitudes ou comportamentos declaradamente machistas ou próprios da sociedade patriarcal, as quais, estranhamente, não proveem apenas de homens, pelo contrário, são as próprias mulheres que os promovem e defendem. Pelo que, seguramente, ainda há muito por fazer relativamente a igualdade ou liberdade.
Não resisto a contar um episódio caricato que se passou comigo, há cerca de 30 anos atrás, e que é bem demonstrativo de quão profundas são as raízes da sociedade patriarcal e do machismo.
Encontrava-me na iminência de ficar desempregada e fui aconselhada a falar com a Direção. A proposta que me fizeram era, a todos títulos, inaceitável, até mesmo vexatória e completamente inapropriada relativamente às minhas qualificações e competências, pelo que a declinei educada e convictamente.
Pouco depois, a reunião terminou e os diretores vieram comigo até à porta da sala. Foi nessa altura que o elogio de um deles me deixou perplexa e sem palavras, a mim, que raramente posso ser acusada de me faltarem as ditas. E, o elogio foi o seguinte - A sua atitude foi de homem.
Por mais anos que passem, nunca esquecerei essa frase. a qual me deu a dimensão exata de quão enraizada se encontrava a mentalidade machista, ou seja, ter uma atitude digna, assertiva e segura, era qualquer coisa apenas associada ao comportamento masculino e não de todos os homens, mas apenas daqueles que "os têm no sítio".
Seguramente, este foi o elogio mais triste, preconceituoso e desagradável que recebi em toda a minha vida e, por momentos, deixou-me submersa num emaranhado de pensamentos e sentimentos confusos e ambivalentes.
Talvez que nesse dia, já longínquo, tenha deixado definitivamente, para trás o que restava da minha inocência e ingenuidade juvenil. Penso que percebi, nessa altura, que teria muita dificuldade em ter sucesso profissional. A minha postura de "homem" era demasiado direta e insubmissa para ser bem aceite num "mundo de homens". Ainda que pudessem ter algum respeito por mim, as minhas qualificações, competência e dedicação ao trabalho seriam sempre seriamente prejudicadas pelo meu discurso assertivo e a minha forma de falar olhos nos olhos. São raras as chefias que apreciam esse tipo de comportamento e ainda mais raras se os chefes forem homens.
Mas a minha forma de ser e estar, há muito, havia sido determinada. Dignidade, frontalidade e honestidade sempre foram e continuarão a ser as minhas bandeiras e nunca, por nunca, poderão ser trocadas pelo sucesso profissional ou de qualquer outro tipo.
Na luta contra as desigualdades de género ou injustiças poderão sempre contar comigo, mas as minhas "bandeiras" mantém-se, aliadas à racionalidade,  reflexão, tolerância e respeito pelo próximo.
Unidos, entrançados e cooperantes poderemos lutar e vencer. Em guerra, de alguma forma, seremos sempre vencidos.


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